O triste fim das pereiras de São Roque | O Democrata

Uvas e alcachofras nem sempre foram as vedetes da agricultura são-roquense. No passado, as peras brilharam na economia e na gastronomia da cidade.

Em minha infância, minhas avós e outras senhoras idosas com quem convivi eram mestras na arte de fazer compotas de peras, com caldas caramelizadas ou de vinho tinto. O magnífico doce, porém, ano a ano rareava na mesa e cada vez mais era servido sob o lamento de que “São Roque já não tinha peras como antigamente…”.

Não me recordo de pés de pera em São Roque, e se os vi não soube identificá-los. As pereiras não são do meu tempo, mas abundaram por aqui entre o final do século XIX e a primeira metade do século XX, talvez até os anos 1960. Não sei ao certo como foram introduzidas nos campos e sítios são-roquenses, mas estimo que sua presença se deva aos portugueses e italianos.

A princípio é provável que as pereiras tivessem por destinação apenas o consumo doméstico, mas sua adaptação ao solo e ao clima serrano de São Roque elevou a produção em grande escala, a ponto de chamar a atenção da Secretaria de Agricultura do Governo do Estado que,  em 9 de novembro de 1930, publicou no jornal “O Estado de São Paulo” um interessante comunicado que bem reflete a importância das peras são-roquenses:

“A cultura da pêra em São Roque

De Dezembro a Abril afflue ao mercado de S. Paulo um bello conjunto de peras, a princípio as brancas, menores, depois as pardas, de inverno. São centenas, milhares de caixas, que se vêem na agência, rotuladas de S. Roque. Levou-nos a curiosidade até aquela cidade, duas horas apenas de viagem, pela Sorocabana. São Roque está adquirindo fama de estação de repouso, mais do que isso, de quase estância therapêutica, para retemperar o organismo, graças ao seu clima previlegiado.  Bemfazejo clima, onde os pulmões readquirem vigor e onde também os vegetais todos prosperam e fructificam, sejam elles dos climas mais diversos: o café, delicado, ahi carrega-se de fructos, como no Paranapanema e igualmente os pinheiros e as fructas do norte da Europa – a maçan, o abrunho, a pêra.”

O texto afasta-se momentaneamente das peras para descrever a cultura de batatas e cebolas em São Roque e explicar que os produtores locais não sucumbiram às investidas dos atravessadores graças a uma estratégia. “Os japonezes, para negociar as suas batatas, agremiam-se e assim estabelecem sua defesa. Um grupo de hespanhoes, no próprio caso das cebolas, fez o mesmo em outra localidade e assim dictou o preço do seu producto.”

De volta às peras, o comunicado pondera que “ao mesmo desastre econômico estão sujeitos os fruticultores  em São Roque, onde, com facilidade, cerca de 50 sítios, com mil a 10 mil pereiras cada um, poderiam constituir uma cooperativa, fruindo todas as vantagens decorrentes; com isso lucraria a qualidade do producto, convenientemente classificado em qualidades homogêneas; haveria um entreposto que regularizaria a entrega; as despesas geraes diminuiriam e o preço no mercado se manteria nas justas proporções, que dariam lucro razoável ao productor e ao intermediário, sem que o consumidor fosse sacrificado.

Sem essa ação reguladora, a reputação global das peras de S.Roque é péssima – e com apparente razão, pois os fructos melhores são vendidos como producto estrangeiro e só os peores merecem o preço vil da marca nacional. Os productores, mesmo os que revelam mais capricho na escolha e no acondicionamento das peras, sentem cada vez mais a acção estranguladora do polvo que é o intermediário e muitos estão em vésperas de desanimar. Vimos suas facturas de vendas, das três últimas safras, e verificamos que o preço médio alcançado neste anno corresponde exactamente à metade do que lhes foi pago em 1927-28. Ao productor coube 30 réis por pêra, posta em São Paulo, quando o consumidor paga no mínimo 10 vezes  mais! (…) Bem se vê que o productor tem razão para desanimar, quando confronta suas despesas com o lucro que deveria auferir.”

A Secretaria da Agricultura assegura que a ideia do cooperativismo já fora tentada certa vez em São Roque, “…mas, mal preparada a reunião, só compareceram 6 productores – um décimo, talvez, dos interessados. Pedindo o apoio de entidades agrícolas, experimentadas nestas questões mais diplomáticas que agrícolas, uma nova tentativa deverá proporcionar êxito salvador.” E recomenda retomar o esforço, pois “as pereiras apresentam-se optimamente e a não serem os pés demasiados velhos ou sacrificados, não sofrem de males, mesmo dos males mais communs.”

Por fim, o texto indica procedimentos práticos para melhorar a qualidade da plantação e lastima um malévolo costume local, prejudicial às pereiras. “O passaredo seria chamado a prestar bom serviço, mas infelizmente ainda está enraigado no espírito do povo a incoercível mania do tiroteio aos bem-te-vis e aos sabiás – foi este o eco contristador que ouvimos, logo após a “Festa das Aves”.”

Interessante notar que, anos mais tarde, a falta de união entre vinhateiros foi um dos motivos que comprometeu a produção de uva e vinho são-roquenses.

O motivo do fracasso do cultivo de peras em São Roque será investigado por esta colunista, mas uma coisa já adianto: a combinação entre desunião e extermínio de pássaros só poderia acabar mal!

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