Precisa-se de rainhas | O Democrata

 

Nos últimos meses, tenho surpreendido muitas pessoas.

Desde que me casei, no ano passado, já perdi a conta das vezes que tive de responder a perguntas a respeito da administração da minha casa. Os curiosos pretendem saber quem lava e passa roupas, organiza o lar e, principalmente, cozinha.

Até hoje, ninguém escutou minha resposta sem se espantar. As pessoas duvidam de que sou capaz de cumprir essas tarefas e, incrédulas, ao ouvirem sobre minha faceta de “rainha do lar”, têm ido tirar a informação a limpo com meu marido ou minha mãe ou ambos!

Percebi que as pessoas pensam que, devido a minhas atividades profissionais como advogada e jornalista, somente sei ler e escrever e que isso, em pleno século XXI, deve ser o suficiente para uma mulher se ocupar.

Por haver sido criada com a consciência de que uma mulher deve, além de estudar e procurar sucesso profissional, saber como realizar serviços domésticos, encaro com naturalidade gerenciar o lar e, principalmente, reconheço a grande valia de tudo o que aprendi com minha mãe, minhas avós e tias – todas excelentes donas de casa – e o quanto estou aquém delas.

Contudo, cada vez mais tenho notado que fui educada na contramão do modo como a maioria das mulheres da minha geração e as meninas mais novas foram e vêm sendo criadas, conforme mostra o depoimento real, lúcido e de profundo significado de minha amiga A.F.A., uma bem sucedida advogada de 46 anos:

Meus pais eram o modelo de casal classe média-alta dos anos 1970. Ela era professora e ele, arquiteto.  Minha mãe veio de uma família muito simples e deslumbrou-se pela vida de conforto que o salário do meu pai trazia.

Adepta do feminismo, não da linha que queima soutiens ou vai a passeatas, ela defendia que as mulheres deveriam estudar e trabalhar, conquistando independência financeira. “Casamento”, “família” e “cuidar do lar” eram temas relegados a segundo plano, se é que um dia existiram, e sobre os quais nunca ela conversou comigo. Casamento não era uma parceria, era uma disputa de poder.

A maternidade não era um fardo para minha mãe, mas alguém tinha que cuidar dos seus cinco filhos, e não era ela. Quando eu tinha cerca de três anos, ela começou curso superior e integrava o corpo do “Ballet Cisne Negro”, sendo exímia bailarina. Em todas as minhas lembranças, ela estava em atividades que não envolviam a família, aproveitando a situação financeira do casamento. Nunca trabalhou, mas pregava a independência feminina.

Estudei em bom colégio e em faculdade de primeira linha. Cresci com todo o incentivo para os estudos e carreira profissional, mas algo foi esquecido na minha criação. Não fui ensinada a ser mãe, esposa, dona de casa. Não fui ensinada quanto à importância de ter maturidade emocional para assumir um relacionamento duradouro.

Não fui ensinada a criar filhos. Não fui criada para gostar de alguém, para desenvolver sentimentos afetivos por um homem. Não precisava arrumar a cama, lavar roupa nem louça, faxinar a casa. Tínhamos funcionárias domésticas para as tarefas do lar, e eu tinha que estudar, pois uma carreira intelectual me libertaria do destino de ser dona de casa e mãe.

A liberdade que me foi concedida teve um preço alto. Não recebi os ensinamentos necessários para ser mulher, feminina,  mãe dedicada, cuidar de uma casa e ter prazer nessas atividades.

Fiquei casada por apenas dois anos e quando me vi na crua realidade estava com 28 anos, divorciada, uma filha de cinco meses nos braços, completamente inapta para tarefas domésticas. Começou então a minha saga dos três períodos: trabalhar, ser mãe, cuidar do lar.

E meus problemas não pararam aí. Tive que encarar o grave dilema: como passar para frente aquilo que não recebi? Como ensinar o que não aprendi e não sei? Como criar uma menina estimulando os lados afetivo e  profissional? Como ensinar minha filha a desenvolver maturidade emocional para envolver-se saudavelmente em um relacionamento? Como ensinar que cuidar de uma casa é uma parceria de casal, de cúmplices?

Hoje Gabriela tem 18 anos e cursa letras em São Paulo. Se não pude ensinar o que não sei, com muito diálogo despertei curiosidade sobre os temas deste depoimento. Espero ter conseguido criar uma filha com dúvidas, pois quem tem dúvidas procura as respostas. Eu cresci com certezas – certezas erradas.”

Eis o alerta quanto às consequências de se criar mulheres somente para o mundo, desprezando-se que a maioria delas, um dia, sozinhas ou acompanhadas, precisará administrar um lar ou educar filhos.

Os lares ainda precisam de rainhas e nada impede que elas também reinem no mundo.

            * Dedico as “são-roquices” de hoje à minha querida amiga e leitora D. Catharina Sandoli Sani, grande e amável mulher que exerceu com maestria os papéis de esposa, mãe e dona de casa, falecida nesta semana.

Simone Judica é advogada, jornalista e colunista de O Democrata (simonejudica@gmail.com.br)

Esta coluna tem o patrocínio de Pátio Corina

 

 

 

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