Ex-usuários de crack, cocaína e álcool contam como vencem abstinência | Saúde e Bem-Estar

Sem droga por 72 horas. O esforço do primeiro passo de um dependente químico em busca de tratamento para recuperar a sobriedade não chega nem perto da luta árdua, dia após dia, no Instituto Padre Haroldo, referência internacional na área, em Campinas.

Na abstinência, o corpo reage com dor. Na fissura, o foco e a força se tornam o novo vício. As 72 horas viram semanas, meses, anos, contados minuto a minuto por quem vive o desafio da superação.

“O medo me ensina a por limites na minha vida. Me sentia e me sinto muito orgulhoso de tudo o que eu passei”, conta Rogério Rodrigues, de 35 anos. Em 40 anos, o Instituto (IPH) já mudou a vida de mais de 80 mil pessoas desde a prevenção, acolhimento, tratamento e reinserção dos acolhidos na sociedade.

Isolamento inevitável

O espaço bem arborizado, arejado para ajudar no respiro de novos ares, transmite tranquilidade. Mesmo assim, o sentimento de opressão é inevitável nos primeiros dias, quando o opressor é o vício.

Supervisora técnica da ala feminina, Juliana de Jesus Madeira trabalha na instituição há quatro anos e conta que é comum as mulheres ficarem dias acamadas e preferirem o isolamento no início do tratamento.

Em todo o tempo, 24 horas por dia, profissionais acompanham e encorajam os acolhidos. Se chegam a ficar mais fragilizados clinicamente, a equipe de enfermagem avalia e encaminha para unidades de saúde ou hospitais, caso necessário.

“A abstinência é o período em que o organismo pede a substância. Então, é uma relação muito mais fisiológica. E a fissura, ela tem muito mais a ver com o estado psicológico”.

Nas unidades terapêuticas, masculina e feminina, os primeiros 15 dias são os mais difíceis para adaptação e superação das crises de abstinência e fissura, mas também é o período em que as carências de afeto e de cuidado vencem a falta da droga.

“No momento em que são acolhidas, a gente se preocupa muito com o vínculo que a gente estabelece com elas, porque elas chegam normalmente amedrontadas, receosas. Por elas estarem muito fragilizadas, e a gente oferecer esse suporte, esse apoio, elas acabam se sentindo confortadas”, afirma Juliana. Ao desenvolverem a consciência da necessidade de ficar sem a droga, os internos não desistem do tratamento nesse período.

Sintomas da falta

O corpo reage à falta da droga de forma diferente, dependendo do usuário. Entre os internos e ex-internos – que seguiram na instituição para atuar como voluntários – os sintomas percebidos com a abstinência vão de dores no corpo até sinusite.

“O uso de crack costuma dar muitas dores no corpo. Tive uns dois dias, mas não foi muito. Graças a Deus não foi uma abstinência tão forte”, conta D., de 36 anos, acolhida há cinco meses.

Voluntário na área administrativa do Instituto desde que concluiu o tratamento, há oito meses, Rogério Rodrigues perdeu vários empregos por não ter mais domínio sobre a própria vida, enquanto era viciado. Era a realidade proporcionada pelo consumo intenso de maconha, cocaína, crack e álcool.

“Fisicamente você sente diversos sintomas. Dor de barriga, muita dor de cabeça. Isso varia muito de pessoa pra pessoa. No meu caso, eu sentia muita dor de cabeça, minha sinusite atacava diversas vezes, mas tudo isso eu sabia que era por conta da abstinência. Era o corpo reagindo”, lembra.

A droga no cérebro

Diante do contato com as drogas, o corpo chega a reagir de maneiras opostas. Na mesma medida que causa euforia, também deprime o usuário. A substância provoca respostas cerebrais no Sistema Nervoso Central (SNC) por meio da perturbação, estimulação e depressão.

“Age no sistema de recompensa. A substância adapta o cérebro, a química cerebral. Depois disso, tudo o que a pessoa vai fazer, seja na esfera psicológica, social e fisiológica, é pra conseguir a droga”, explica Juliana.

Álcool, cocaína e crack são as drogas mais comuns entre os vícios que os internos buscam deixar para trás. A psicóloga explica a ação de cada uma delas:

  • Álcool

É uma substância depressora do SNC. Num primeiro momento, a sensação é de ficar mais “alegre” e estimulado, mas é uma droga que deprime. Age em proteínas presentes em todo o organismo.

“É por isso que o álcool deprecia muito mais rápido o organismo e causa muitas doenças. Com o alcoolista a gente precisa ter muito mais cuidado. Depois de muitas doses, começa a deprimir, a visão fica embaçada, a fala fica pastosa”.

  • Cocaína

Em muitos casos, e por conta dos efeitos do álcool, é comum o usuário partir para a cocaína, em busca do efeito oposto. “O álcool deprime, a cocaína estimula. Elas fazem esse contrabalanceamento. A cocaína deixa a pessoa mais ligada, mais atenta”. Quando muito usada, no entanto, vem a paranoia. A excitação do SNC é tão grande que a pessoa começa a achar que está sendo perseguida, por exemplo. Como é uma substância aspirada, passa pelo pulmão e cai na corrente sanguínea. “O efeito dela é um pouco maior que o crack”.

  • Crack

A cocaína e o crack compartilham da mesma substância, o mesmo princípio ativo, mas em apresentações diferentes. A pessoa fuma a pedra e a droga é absorvida mais rapidamente pela corrente sanguínea.

“Também é uma droga que excita o SNC e o efeito dele passa mais rápido. Por isso que o crack é mais consumido que a cocaína. Proporcionalmente, a devastação no corpo é muito pior”.

Falsa cura e recaída

O tempo total previsto no programa do Instituto é de 180 dias, mas é comum uma falsa sensação de cura na metade do tempo, quando alguns internos pedem para deixar a instituição.

“A desistência acontece por volta dos três meses, que é quando elas já se recuperam, estão fisicamente mais fortes e, aí, elas acham que está tudo bem”, afirma Juliana.

Foi assim com M., de 47 anos, viciada em álcool, crack e cocaína desde criança. Sim, desde criança. Em 2015 se internou pela primeira vez no Instituto, onde ficou por quatro meses. Teve recaída e, no início de abril deste ano, procurou novamente o tratamento, para recomeçá-lo do zero. Ela entrou no IPH pesando 40 kg. Na sua história, a cocaína chegou quando tinha apenas 11 anos. O álcool já fazia parte da sua rotina e a sobrevivência na rua também tem um lugar na sua bagagem.

“Desde pequena, que eu me entendo por gente, eu sempre bebi. Aos 11 anos eu cheirei a cocaína. Por conta própria e iniciativa própria. Procurei nas coisas do meu tio, achei e cheirei. Aos 21 pra 22, grávida do meu filho, eu conheci o crack”, conta a mulher.

Há pouco mais de dois meses como interna, ela ainda se sente insegura em relação aos vícios e às vontades que combate.

“Se eu ‘ver’ um saquinho vazinho… Se eu ‘ver’ um copo com um pouquinho de bebida ou um pedacinho de pedra, com certeza eu vou fumar e com certeza eu vou cheirar”, diz.

A conclusão do tratamento é indispensável para que o acolhido consiga se munir de artifícios que vão driblar a vontade de usar a droga, quando se deparar novamente com ela.

Escolha para a vida

Seja por um ultimato da família, ou por um alerta da própria consciência sobre abusos no uso da droga, os dependentes que buscam tratamento aprendem a traçar a meta diária do “só por hoje”. Após concluir o tratamento no Instituto, Cláudio Gregório Pereira, de 44 anos, permaneceu na entidade, primeiro como voluntário e depois como educador social. Já são 11 anos passando adiante os ensinamentos que recebeu, e apostando na recuperação de quem se dispõe a recomeçar a vida.

Pereira não chegou a ficar em situação de rua. Vem de uma família de boa condição financeira e, com pouco mais de 20 anos, o emprego já bancava a vida noturna e os vícios em álcool e cocaína. Os pais não sabiam da dependência, que, aos 32 anos, atingiu seu ápice.

“Eu não tinha R$ 1 na carteira e gostaria de voltar pra ‘boca’ pra pegar mais cocaína. E não tinha dinheiro nem pra comprar cigarro. A tomada de decisão foi quando eu saio pela calçada, na minha rua, procurando bituca de cigarro. Esse foi meu fundo de poço”.

Escolher uma vida sem drogas é mais do que a superação, primeiro da abstinência e depois da fissura dia após dia. É uma nova chance de reescrever a própria história.

“Eu tô começando a vida de novo, mas o que a droga me fez é coisa irreversível. Antes, ela me manipulava. Hoje eu posso manipular ela, né? Eu posso escolher se eu quero ou não”, afirma B., de 26 anos, que tratou o vício em cocaína.

“Eu olho pra mim e eu tenho orgulho de mim. Eu tenho que ter respeito pela minha história, por tudo o que eu já passei. Eu não tenho que ter medo da droga. Ela que tem que ter medo de mim”, diz D., de 36 anos.

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