Uma década em defesa da vida | O Democrata

Surpreendido pelo resultado positivo do teste do bafômetro, um motorista de Ribeirão Preto, no interior paulista, jurou ao guarda que estava sóbrio e a concentração de álcool acusada pelo aparelho só podia ser decorrente do beijo dado em uma moça embriagada, momentos antes da abordagem policial.

No mês em que a chamada Lei Seca completa dez anos de vigência no Brasil, ainda sobram justificativas cômicas e sem sentido nos recursos das autuações por infrações de trânsito apresentados ao Detran e ainda faltam conscientização e responsabilidade aos motoristas, que insistem em dirigir sob efeito do álcool.

Tantas são as alegações improváveis e absurdas elaboradas pelos motoristas autuados por dirigir  embriagados, como essa, do beijo, que o Detran de São Paulo está promovendo um concurso chamado “Copa do Mundo dos Recursos mais Incríveis da Lei Seca”, para eleger, até 6 de julho, a justificativa mais inusitada para a embriaguez ao volante. A disputa acontece na página www.facebook.com/detransp.

Gracejo e alegria, porém, estão muito longe de representar a realidade do Brasil, quando o tema é embriaguez ao volante, a responsável por cerca de 16% das mortes nas estradas brasileiras em 2016,  de acordo com dados divulgados pela Polícia Rodoviária Federal. Esse número significa aproximadamente 7.500 pessoas mortas em razão de acidentes provocados por motoristas que consumiram álcool antes de dirigir ou durante o percurso.

Em junho de 2008, a Lei Seca reduziu sensivelmente a concentração de álcool permitida aos motoristas e, em 2012, estabeleceu a tolerância zero para o consumo de álcool por parte de quem dirige e houve acréscimo no valor da multa imposta aos condutores embriagados, hoje no patamar quase R$ 3.000,00, além da suspensão do direito de dirigir por um ano.

Apesar das reprimendas mais severas, as pessoas persistem na combinação álcool e direção. Em São Roque, a Polícia Civil instaurou quarenta e três inquéritos por embriaguez ao volante em 2017 e, neste ano, já são dezenove em andamento, de acordo com informações prestadas pelo escrivão chefe do Cartório Central da Delegacia de Polícia local, Anderson Prado Góes.

Em que pesem os números nacionais e locais não serem dos mais animadores, é preciso olhar o outro lado das estatísticas. Pesquisa realizada pela Escola Nacional de Seguros afirma que a Lei Seca, desde sua implantação, já poupou 40 mil vidas no trânsito e 235 mil pessoas de invalidez permanente.

Embora expressivos, esses números seguem pequenos diante da realidade brasileira, em que a presença dos motoristas irresponsáveis é persistente, marcante e ostensiva. As pessoas não se constrangem em dirigir embriagadas, assim como não têm qualquer pudor em estar ao volante falando ao telefone celular e até mesmo escrevendo mensagens nos seus inseparáveis aparelhos móveis.

Mais uma vez, ao se analisar um dos problemas brasileiros, a solução passa pelo quesito educação. Especialistas em engenharia de tráfego e comportamento dos motoristas são unânimes em considerar a mudança de mentalidade da população imprescindível para a reversão desse quadro recorrente e perigoso de embriaguez ao volante.

A lei é boa e defende a vida. Porém, não resolve apenas editar proibições e aplicar multas. É preciso fazer com que as pessoas, desde a mais tenra idade, conscientizem-se a respeito da importância de agirem com responsabilidade e prudência, não apenas em benefício de si mesmas, mas como partes de uma engrenagem social e humana.

É indispensável também, e essa é outra unanimidade entre os especialistas, que os recursos públicos e o dinheiro arrecadado com pedágios sejam efetivamente aplicados na melhoria das condições das estradas e ruas, afinal, não somente embriagados e desatentos causam acidentes, pois muitas tragédias ocorrem devido à má conservação e péssima sinalização dos leitos carroçáveis e seu entorno.

Ser surpreendido embriagado ao volante nada significa para inúmeros brasileiros, que pagam multas e fianças e deixam as delegacias de polícia com ar de zombaria, prontos para delinquir outra vez, escudados na certeza da impunidade e de que o dinheiro tudo paga.

O artigo 306 do Código Brasileiro de Trânsito, que define o crime de embriaguez ao volante, prevê as penas de detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter permissão ou  habilitação para dirigir veículo automotor.

Dificilmente alguém no Brasil fica preso por conta disso, o que fortalece o sentimento de impunidade e impulsiona os desajuizados a continuarem a beber, dirigir e apresentar justificativas fajutas. A prisão poderá vir em caso de haver acidentes com vítimas e reiteração da conduta de dirigir sob efeito de álcool.

Enquanto a vida valer pouco e a lei for apenas seca, mas não dura o suficiente para inibir irresponsabilidades, bebida e direção seguirão juntas pelas ruas e estradas brasileiras, a matar e aleijar.

Jornal O Democrata São Roque

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