O Jornal O Democrata comemora 108 anos de fundação neste dia 1º de maio. A primeira edição circulou em uma terça-feira, mas o domingo foi o dia escolhido tanto que a edição número 2 chegou aos leitores no dia 6 de maio. Posteriormente passou para o sábado onde permaneceu por décadas até mudar para a sexta-feira. Foi criado pelo professor Antonio Villaça, proprietário do Pavilhão Popular, que inicialmente montou uma gráfica para imprimir a programação do cinema. Os irmãos Heitor (Rino) e Francisco Boccato já trabalhavam na gráfica e, alguns meses depois, assumiram o comando do jornal, que está na quarta geração com Rodrigo e Priscila, bisnetos de Rino, netos de Osmar de Castro Boccato e filhos de Osmar Henrique Villaça Boccato (Maique).
O Arquivo Vivo resgata a primeira entrevista realizada por O Democrata, publicada na edição histórica de 1º de maio de 1917. Com o título “Cousas Municipaes”, ouviu o prefeito Paulino Hermílio de Campos, que normalmente tinha o segundo nome abreviado nas publicações — o que também ocorreu na denominação da rua próxima à Praça da República.
Naquele tempo, a formalidade imperava ao se dirigir a uma autoridade. Na apresentação da reportagem, o entrevistado é chamado de “digníssimo prefeito de São Roque, senhor Paulino H. de Campos”. Ao longo do texto, são usados ainda outros pronomes de tratamento: “sua senhoria” e “vossa senhoria”.
ENTREVISTA COM O PREFEITO PAULINO H. DE CAMPOS
No interesse de bem servir ao público que nos der a honra de receber em sua casa o nosso jornal e nos ler, destacamos um dos nossos companheiros de redação para solicitar uma entrevista do Dig. Mo. [digníssimo] prefeito de São Roque, senhor Paulino H. de Campos.
Recebido o nosso companheiro por S. Sa. [sua senhoria] com a maior gentileza, encetaram [iniciaram] o seguinte diálogo, que, com o maior prazer, damos ao conhecimento do público.
— Pode nos dizer, em traços largos, o plano de V. Sa. para a administração municipal?
— Pois não. Pretendo estabelecer a mais rigorosa fiscalização e arrecadação dos impostos devidos ao município, fazendo cobrar, amigável ou judicialmente, os devedores. Também desejo implantar a mais enérgica economia nos gastos do erário municipal. Por isso, bem vê que não poderei ser muito pródigo [gastador] em melhoramentos locais.
— V. Sa. não pretende realizar a fatura do projetado Jardim [hoje Praça da República/Praça da Preguiça]?
— Sim, pretendo, e ainda este ano espero poder dar início ao Jardim no Largo da República, levantando ali um coreto, cercando a área necessária e fazendo o plantio de arvoredos ornamentais. Isto feito, o restante virá em seguida.
— E quanto à Rua da Estação [atual Avenida João Pessoa]? O que V. Sa. pretende?
— Alargá-la, pois, do modo como está, representa uma verdadeira ameaça aos que nela transitam em veículos. E o mais importante: pretendo conseguir esse melhoramento sem ônus para os cofres municipais, pois é obrigação contratual da Sorocabana, conforme lei estadual de 1874, “fazer e conservar uma rua ligando a cidade à estação”.
— E quanto à água potável?
— Já tenho estudos. É um serviço que logo pretendo iniciar. Quero dotar a cidade com boa e abundante água potável, que atualmente é insuficiente para a população urbana.
— E quanto ao magno problema da limpeza da cidade — os esgotos?
— Aos poucos, tudo se fará. Desde que a situação financeira da Câmara melhore, tratarei de dotar a cidade de um bom serviço de esgoto. Embora não realize grandes melhoramentos de uma só vez, será feito por partes, começando pelo centro da cidade. Basta, para isso, que o povo não seja refratário ao pagamento dos impostos justos e venha em meu auxílio, pois sou filho desta terra e quero vê-la em franco progresso.
Eram tantas as pessoas que procuravam V. Sa. que não quisemos tomar mais de seu precioso tempo. Assim, depois de agradecer a V. Sa. a gentileza que nos dispensou, nos retiramos com a promessa de sermos, sempre que quisermos, recebidos por S. Sa. Possa S. Sa. realizar seus belos projetos — eis o que deseja O Democrata.
PREFEITO ESCOLHIDO PELA CÂMARA MUNICIPAL
Paulino H. de Campos foi prefeito de São Roque entre janeiro de 1917 e dezembro de 1921. O prefeito não era eleito de forma direta, sendo escolhido anualmente entre os vereadores. Não havia prefeitura; a sede do governo municipal era a própria Câmara. Por isso, na entrevista ele menciona que as obras de esgoto dependiam das finanças da Câmara. A denominação Mata da Câmara é uma herança desse período.
Eleito vereador para a legislatura de 15 de janeiro de 1917 a 15 de janeiro de 1920, reelegeu-se para um segundo mandato (1920–1923). Ao deixar o cargo de prefeito, seguiu como vereador, sendo substituído por Attílio Caproni.
RUA DA ESTAÇÃO
A Rua da Estação (hoje, Avenida João Pessoa) ligava, em linha reta, a Praça da Matriz à estação ferroviária, que ficava próxima ao local onde foi construído o Colégio Manley Lane. O prefeito cita que por lei a Sorocabana era a responsável pela conservação dessa rua. A Lei Provincial nº 45, de 1874, sancionada pelo governador João Theodoro Xavier, determinava a obrigatoriedade de a Companhia Sorocabana construir e conservar uma estrada de rodagem que ligue a cidade de São Roque à estação ferroviária, a partir da Igreja da Matriz, pela travessa Goyanã. “Se esta obrigação não for cumprida, o governo descontará dos juros garantidos do capital primitivo a quantia necessária para aquele fim”, diz o artigo segundo.
A abertura da rua motivou a disputa entre o Barão de Piratininga (Antonio Joaquim da Rosa) e o presidente da Sorocabana, Luís Matheus Maylasky. O Barão era um dos acionistas da Sorocabana, mas, devido às condições de saúde, não participou das reuniões que determinaram a mudança do traçado, que retirou os trilhos do centro de São Roque. O governador atendeu ao pedido dos são-roquenses e, na inauguração da Sorocabana (10 de julho de 1875), a Rua da Estação já estava concluída. No entanto, a mudança de traçado obrigou a construção de uma nova estação férrea, inaugurada em 1928.
Vander Luiz