A rua dos tuberculosos | O Democrata

Atenta, amedrontada e com o coração aos pulos, a menina aproxima-se do portão e certifica-se de que, até onde sua vista alcança, não há algum vizinho suspeito pela calçada ou à janela. Então corre para dentro de sua casa, enche os pulmões de ar a ponto de senti-los quase estourar, vai exatamente para o meio da rua e desce a ladeira a correr na velocidade mais alta que suas pernas conseguem atingir, esforçando-se para não respirar!

Toda essa estratégia, desenvolvida e executada pela então menina Ismênia Laurenciano, no final dos anos 1920, cada vez que ia à cidade, tinha um motivo: sua família morava na “rua dos tuberculosos”, como era chamada a Rua São Joaquim, nas imediações da Estação Ferroviária de São Roque.

São Roque, nas primeiras décadas do século XX, foi um reduto de tísicos, que vinham por recomendação médica em busca de ar puro que lhes minorasse ou curasse os males dos pulmões.

Coube ao Estado de São Paulo, na transição entre os séculos XX e XXI, inaugurar um movimento social de combate à tuberculose no Brasil, pois, além de ser esse o estado mais rico do País, onde havia recursos para se investir na debelação do mal, aqui a doença fazia novas vítimas a cada dia, sendo causa de cerca de dez por cento das mortes oficialmente computadas na cidade de São Paulo.

O número de tísicos em São Paulo crescia também graças a sua fama de ter ares terapêuticos.
Alarmado com esse quadro, o médico Emilio Ribas, que dirigia o Serviço Sanitário Estadual, convidou seu colega Clemente Ferreira para iniciar a primeira campanha nacional contra a tísica.

Em julho de 1899 foi inaugurada a Associação Paulista de Sanatórios Populares para Tuberculosos, em 1903 denominada Liga Paulista Contra a Tuberculose. Sob a condução do médico Clemente Ferreira, a entidade pregava que os tísicos deveriam ser isolados em sanatórios. O infectologista Emilio Ribas, todavia, passou a discordar das medidas propostas por seu convidado, defendendo o tratamento domiciliar, de modo que a Liga o e órgão público cortaram relações.

Em um ponto, porém, ambos concordavam. Campos do Jordão, com seu clima de montanha e seu acesso difícil, isolava os doentes e evitava a propagação do contágio, sendo o local exato a sediar um hospital especializado no tratamento da tuberculose. Para isso acontecer, porém, Dr. Clemente enfatizou que o governo deveria construir uma estrada de ferro ligando a serra ao Vale do Paraíba.
São Roque aparece nesse cenário em 1902, quando, por certo para se eximir da construção dessa ferrovia, o governo paulista encomendou a outro médico, também recomendado pelo Dr. Ribas, um minucioso relatório sobre a contenção da tuberculose no Estado de São Paulo.

O indicado, Dr. Victor Godinho, após passar mais de um ano na Europa em visita a afamados sanatórios e habituar-se aos procedimentos destinados a tratar da moléstia dos pulmões, voltou a São Paulo e entregou o relatório em que apontava o município de São Roque como o ideal para se instalar uma “unidade de isolamento dos tísicos pobres”.

O sanatório para tuberculosos pobres nunca foi aqui construído, mas a fama de São Roque possuir ares benfazejos aos pulmões correu São Paulo e Brasil afora e muitos doentes vinham passar temporadas aqui.
Não consegui descobrir a razão para haver uma concentração de tuberculosos na Rua São Joaquim, mas cogito de duas hipóteses. A primeira é sua proximidade da Estação Ferroviária, que permitia aos doentes desembarcarem do trem e estabelecerem-se desde logo em uma região à época afastada do centro urbano para, assim, ficarem ao máximo isolados da população local.

A segunda hipótese é o fato de que a Santa Casa de Misericórdia de São Roque, desde meados da primeira década do século XX, funcionava em uma propriedade na Rua São Joaquim, conforme informações do Prof. Joaquim Silveira Santos, na obra “São Roque de Outrora”. Talvez a vizinhança do hospital fosse um ponto de referência e segurança para os enfermos do pulmão que aqui convalesciam.

De acordo com lembranças que guardo de minhas intermináveis conversas com D. Ismênia Laurenciano Peroni, que se mudou para a rua São Joaquim na adolescência, quando seu pai, Napoleão Laurenciano, assumiu o cargo de Chefe da Estação de São Roque, algumas famílias corajosas arriscavam-se a alugar quartos em suas casas para os tísicos, enquanto outras desocupavam o imóvel para locá-lo ao doente e seus familiares. Quando algum morria, o clima de medo e insegurança se espalhava na “rua dos tuberculosos”, mas quando algum ficava curado, a rua inteira comemorava. Eles despertavam um misto de curiosidade, temor, compaixão e simpatia.

Com o tempo, São Roque e a rua São Joaquim foram perdendo seus tuberculosos.
Hoje, segundo a assessoria de imprensa da Prefeitura local, há oito pessoas em tratamento de tuberculose no Município e todas recebem a medicação gratuitamente. Nos últimos dez anos, sete pessoas morreram vítimas da doença na cidade, onde o índice de cura gira em torno de 90% dos casos.

Simone Judica é advogada, jornalista e colunista de O Democrata (simonejudica@gmail.com)
Esta coluna tem o patrocínio de Pátio Corina

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