A Santa Casa de Misericórdia de São Roque completa 150 anos no próximo dia 2 de fevereiro e o Arquivo Vivo do Jornal O Democrata nas próximas edições estará resgatando um pouco da história do principal hospital da região fundado em 2 de fevereiro de 1873.
Quando O Democrata começou a circular em 1º de maio de 1917, a Santa Casa já prestava atendimento há 44 anos. No entanto, o jornal registra em suas páginas grande parte da vida da Irmandade com inúmeros artigos, reportagens, comunicados, fotos, avanços, polêmicas, ampliações, elogios, reclamações, denúncias, bons e maus momentos.
A dedicação de homens e mulheres, nomes que ganharam destaque, o trabalho incansável de anônimos e a construção de um símbolo da cidade com seus problemas, dívidas, disputas políticas. Ao mesmo tempo, o porto seguro de milhares de pessoas no momento de dor, a esperança de quem luta pela vida e de incontáveis são-roquenses que tiveram na maternidade da Santa Casa, com parteiras e médicos, o ponto de partida para o mundo, inclusive este jornalista.
“Misericódia” tem origem no latim (“misere” e “cordis”) e significa doar seu coração ao outro a quem necessita. Nesse princípio de receber os mais necessitados, a primeira Santa Casa foi criada em 15 de agosto de 1498, em Lisboa (Portugal). No Brasil, a pioneira foi em Santos (1543) por iniciativa de Brás Cubas, seguida por Salvador (1549), Rio de Janeiro (1567), Vitória (1545) e São Paulo (1562/oficialmente 1599).
Os professores e historiadores Joaquim Silveira Santos e Paulo Silveira Santos, pai e filho, abrem a série porque esses competentes senhores tiveram o talento e a paciência de levantar em atas, antigos registros e na conversa com pessoas as informações que levam ao surgimento da Santa Casa de São Roque.
Entre 1936 e 1938, Joaquim Silveira Santos publicou na primeira página de O Democrata capítulos de São Roque de Outrora. Dois deles (XXXI e XXXII) tratam das primeiras décadas da Santa Casa de São Roque.
“Instituição utilíssima, que visa corrigir uma falta grave do organismo social, pois que ela se destina a fornecer assistência aos enfermos desvalidos, sua necessidade se faz sentir com mais força à medida que cresce e se intensifica a vida urbana de cada localidade”. O Comendador Inocêncio foi quem percebeu essa necessidade e por ser uma “pessoa de coração sempre aberto ao apelo dos humildes tomou a iniciativa de propor a criação da Santa Casa”.
Manoel Inocêncio da Rosa (1814-1889), irmão mais velho do Barão de Piratininga (Antonio Joaquim da Rosa 1821/1886), era vereador e presidente da Câmara Municipal de São Roque quando apresentou em 15 de janeiro de 1872 “as bases para a fundação de uma Santa Casa de Misericórdia nesta cidade com o fim de socorrer os enfermos necessitados, criar as crianças abandonadas e remir cativos”. A iniciativa foi aprovada e de imediato Comendador Inocêncio nomeado provedor interino da Irmandade, cargo que ocupou até a morte em agosto de 1889.
A fundação foi oficializada com a reunião de 2 de fevereiro de 1873, “mas pelas informações prestadas, conforme consta dessa ata inicial, vê-se que todo o ano anterior foi fecundo… com os seguintes passos”: estatuto com base no da Santa Casa de São Paulo para conseguir ajuda financeira da Assembleia Provincial e compra do prédio para o futuro hospital. Consta que a data foi escolhida por ser o Dia de Nossa Senhora da Conceição que hoje é comemorado em 8 de dezembro.
O PRIMEIRO PRÉDIO
A primeira sede foi na rua 13 de Maio (atual Marechal Deodoro). Joaquim Silveira relata que os primeiros livros e papéis foram perdidos, “mas em um livro de contas do Comendador encontrei assentamentos que esclarecem esse ponto. A casa pertencia a minha avó materna, dona Maria Umbelina da Rosa Santos e seu filho mais moço, Francisco Quirino dos Santos, hoje [final década de 30] dividido em dois com os números 5 e 7… O imóvel foi pago pelo Comendador e pelo Barão de Piratininga”.
O hospital não foi instalado de imediato e o prédio inicialmente foi alugado a particulares e o primeiro grupo escolar [Bernardino de Campos]. Ali também funcionou o fórum e a cadeia. Nem tudo era tranquilidade, também são encontrados registros de problemas administrativos, inclusive com acusações “veladas de desvios de fundos”, “críticas de descontentes” e “empréstimos à revelia de demais membros”.
Obstáculos foram superados. A Santa Casa de São Roque aumentou o patrimônio, em 1909, com a compra de cinco casas na então chamada Rua Alferes Tiradentes pertencentes a Quirino Aguiar e dois prédios na 13 de Maio [Marechal Deodoro] de Antonio dos Santos.
Não se sabe por quanto tempo funcionou na Rua do Taboão [Rua São Paulo], imóvel depois vendido a Francisco Judica. Retornou para 13 de Maio até que a assembleia de 6 de maio de 1906 ventilou a mudança de sede por condições sanitárias para um local fora do centro urbano.
A mudança para o atual endereço na rua Santa Isabel começou a ser cogitada em 1907 com a possibilidade da compra da Chácara de Tibúrcio Vilaça, próxima da antiga estação, mas a diretoria decidiu pela propriedade de Antonio Arnóbio na rua São Joaquim. Inicialmente o imóvel foi adquirido pela Câmara Municipal (1908) que o revendeu à Santa Casa ano seguinte.
Para o pagamento de dívidas, quatro dos cinco imóveis da Avenida Tiradentes foram vendidos a Bento Antonio Pereira e outro a Cândida Rosa. Foram vendidos também (escritura de maio de 1908) cinco prédios a Santos Agostinho (um na Tiradentes e os demais na 13 de Maio). “Sem o rendimento desses imóveis houve uma sensível queda do rendimento da Santa Casa passando a depender das mensalidades sempre incertas dos associados e dos abnegados cidadãos que prestaram seu concurso à Misericórdia”, registra Joaquim Silveira Santos.
Vander Luiz


