
Minhas amigas,
Aprendi com o Direito que violência tem graus. A violência não é um pacote fechado em que insulto e feminicídio, por exemplo, tem o mesmo peso. Não é assim. Há gradações. Se for um insulto racista, o peso é muitíssimo maior do que qualquer outro insulto moral. E assim tem de ser, afinal a violência não é tudo a mesma coisa.
Inaceitáveis todas são, mas uma mais grave do que a outra é evidente.
Entretanto, o Direito é senhor carrancudo e muito conservador. É verdade que ele tem tentado ‘sair do armário’, mas ainda são aventuras clandestinas. Daí esta confusão com relação à violência psicológica. Ao mesmo tempo em que temos avanços, como Lei Mariana Ferrer – sentimos a jurisprudência indecisa quanto ao peso da violência psicológica. Um exemplo que beira o absurdo: não é porque o pai agrediu a mãe, muitas vezes já afastado por medidas protetivas pelo tipo de violência empregada, que as visitas aos seus filhos são postas em risco. Tudo continua como se reinasse a mais cândida paz na família.
A verdade é que pai agressor abusa psicologicamente de seus filhos. Só o Direito ainda não entendeu. A psicologia, psiquiatria e o bom senso sabem disto. Por isto, insistimos tanto nesta tecla quando pedimos alteração no regime de convivência.
E o que isto tem a ver com Jada? Tudo!
Não dá para dizer que é piada a grosseria contra mulher vulnerabilizada por doença que lhe arranca um dos símbolos maiores de sua feminilidade: os cabelos. O cabelo para a pessoa feminina tem significado profundo: culturas islâmicas e o judaísmo ortodoxo consideram ser motivo de reserva – os cabelos devem ser vistos e admirados apenas pela família da mulher. Assim como já ouvi depoimentos de mulheres negras se referirem a eles como coroa.
Para mim, meus cabelos são símbolo de identificação própria: não me vejo sem minha juba farfalhante.
Dirigir-se a mulher doente, negra, vulnerável, referindo-se desrespeitosamente a sua condição é de violência proporcional à audiência da cerimônia.
E este tipo de violência nos leva ao limite.
Não sabemos dos sacrifícios que Jada teve de fazer para comparecer à cerimônia, não sabemos como isto impacta em sua autoestima, não sabemos como impacta em seu casamento, em sua vida. Naquele momento, só podemos imaginar o nocaute psíquico desta mulher.
Então, quão violenta é a grosseria de Chris Rock? Quão violento seria um tapa de Jada?
É importante frisar: não testemos os limites psicológicos de ninguém. O resultado quase sempre é inesperado, incalculável.
Por aqui, só reafirmamos: não importa a condição, seguimos juntas. Sempre.”
Julie Kohlmann é Doutoranda em Filosofia do Direito, Mestre em Direito Civil, Especialista em Direito Penal e Associada ao IBDFAM – @juliekohlmannadvogada