
Minhas amigas,
A advocacia com perspectiva de gênero conquistou reconhecimento importante: no dia 05 deste mês, o Superior Tribunal de Justiça decidiu por unanimidade que a Lei Maria da Penha é aplicável à mulher trans, agredida pelo pai inconformado.
Ao contrário do que começaremos a ler e ouvir na pior versão das redes sociais, há razões jurídicas para isto.
Vou elencar aqui algumas, em ordem decrescente de importância interpretativa de nosso sistema, cujo norte hermenêutico (ou seja, a técnica jurídica utilizada para explicar o uso da lei no caso concreto) encontra apoio não só na Teoria Tridimensional do Direito de Miguel Reale, como na Semiótica Jurídica de Tercio Sampaio Ferraz. Isto para fazermos o Poder Judiciário, a Lei e o valor da Justiça dialogarem no Tempo e no Espaço – não quero aborrecê-las com juridiquês vazio, apenas esclarecer os motivos técnicos de minha leitura do que foi decidido pelo Tribunal da Cidadania.
A Constituição nos fala de sistema jurídico e judicial fundamentados na cidadania e na dignidade da pessoa humana, cujo objetivo é a construção de sociedade justa, livre e solidária, em que se promova o bem de todos sem distinção alguma. Em suas relações internacionais, o Brasil obriga-se ao respeito pelo princípio da prevalência dos direitos humanos – não à toa somos signatários de diversos Tratados de Direitos Humanos. Alie-se a isto a Lei Maria da Penha, que há 15 anos que protege a mulher no âmbito da violência doméstica e, há pouco, a publicação do Protocolo para
Julgamento com Perspectiva de Gênero, pelo Conselho Nacional de Justiça – órgão regulador do Poder Judiciário – que reconhece a importância do conceito de gênero, ao invés do sexo biológico, para o julgamento envolvendo grupos subordinados (grupos sociais postos em situação de vulnerabilidade pela imputação de marcadores sociais desfavoráveis, como o gênero, mas não só: cor, pobreza, acesso à educação, velhice são marcadores desfavoráveis) – a respeito do marcador de gênero, páginas 16 a 24 do Protocolo.
Este conjunto de normas está imerso em quadro fático que pode ser resumido ao dado principal, trazido na decisão: há 13 anos o Brasil é o país que mais mata pessoas transgêneras, no mundo.
O motivo disto tudo é um só: morreram porque existem.
É violência demais para um país que se quer solidário, justo, livre que promove o bem de todos. Somos todos atingidos.
Ora, precisamos falar mais.
Por isso, sigamos juntas, sempre. Por favor.
Julie Kohlmann é Doutoranda em Filosofia do Direito, Mestre em Direito Civil, Especialista em Direito Penal e Associada ao IBDFAM – @juliekohlmannadvogada