Em uma entrevista exclusiva, Marcella Garcia de Lucca, estudante de medicina da Universidade José do Rosário Velano (Unifenas), campus Belo Horizonte/MG, compartilhou detalhes de sua experiência transformadora durante um intercâmbio médico em Ruanda (África). Marcella, natural de São Roque, embarcou nessa jornada com o objetivo de expandir seu conhecimento em saúde global, especialmente no campo da saúde sexual da mulher, e acabou vivenciando um profundo aprendizado cultural e pessoal.
Início na Medicina e interesse por intercâmbios
Marcella entrou na faculdade em agosto de 2020, em meio à pandemia, mas sua paixão por explorar o mundo começou muito antes. “Eu fiz um intercâmbio para a França em 2018, e a partir daí, tudo relacionado a relações internacionais e culturas diferentes sempre me atraiu”, relembra. Em 2021, ao iniciar seu segundo período na faculdade, ela se candidatou para participar da CLEVE (Coordenação Local de Estágios e Vivências), uma organização estudantil responsável por intercâmbios médicos.
Foi através dessa oportunidade que surgiu o convite inesperado para Ruanda. “Minha primeira escolha era Portugal, mas um amigo da UFMG sugeriu que eu tentasse Ruanda, achando que eles ficariam muito interessados, especialmente porque eu falava francês”, conta Marcella, referindo-se à língua oficial do país africano, algo com o qual já tinha familiaridade após sua temporada na França.
Processo Seletivo e preparação
O processo de seleção para o intercâmbio foi longo e desafiador. Ela precisou preparar uma série de documentos, incluindo cartas de recomendação e relatórios detalhados sobre seu conhecimento em saúde pública e no combate ao HIV, uma área central do programa em que participaria.
Ela destaca que o intercâmbio escolhido, SCORA (Standing Committee on Sexual and Reproductive Health including HIV/AIDS), é focado na saúde sexual e reprodutiva da mulher. “O programa é muito humano, além de culturalmente enriquecedor. Ele foca em ginecologia, obstetrícia, e no atendimento a portadores de HIV, áreas que são muito importantes no contexto da saúde pública em Ruanda.”
A experiência no campo: Aprendizados profissionais e culturais
Durante três semanas em Ruanda, Marcella teve a oportunidade de se envolver em diversas áreas médicas, incluindo ginecologia, obstetrícia e acompanhamento de pacientes com doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Ela destaca que a imersão cultural foi um dos aspectos mais marcantes da experiência. “Nos primeiros três ou quatro dias, tivemos uma imersão cultural absurdamente forte. Conhecemos a história do país, o sistema de saúde e entendemos como o genocídio de 1994 afetou a estrutura social e econômica da população”, compartilha.
A estudante também foi exposta a realidades médicas bem diferentes daquelas no Brasil, desde a estrutura dos hospitais até a maneira como as pacientes são tratadas. “Foi chocante ver como as mulheres em Ruanda, especialmente as pacientes, não têm voz. Fiquei muito triste ao perceber como elas eram tratadas. Essa foi uma das lições mais duras, mas importantes”, relata.
Apesar das dificuldades, Marcella aproveitou ao máximo o aprendizado prático. Entre as atividades que mais a impactaram estavam as cirurgias ginecológicas e obstétricas e o trabalho em ambulatórios de doenças sexualmente transmissíveis. “Pude aplicar na prática o que estudamos na teoria, mas com uma visão completamente nova. O contraste com a medicina no Brasil foi grande, desde a formação até o número de médicos por ano – em Ruanda, apenas 200 médicos se formam por ano.”
Lições de vida: Além da medicina
Para além dos desafios técnicos, Marcella reflete sobre o impacto emocional e filosófico da jornada. “O que eu mais aprendi em Ruanda foi que nossos maiores objetivos são pequenos quando comparados com a jornada e as pessoas que encontramos no caminho”, reflete. Para ela, a experiência reforçou a importância de aproveitar cada etapa da trajetória, não apenas o destino final.
A estudante também destaca como a viagem mudou sua percepção sobre a vida e suas prioridades. “Percebi que precisamos de muito menos para viver. Ao final da experiência, voltei muito mais grata pelo Brasil e por tudo o que temos aqui”, afirma.
Aventuras fora do hospital
Apesar do foco no intercâmbio médico, Marcella também teve a oportunidade de vivenciar aventuras inesquecíveis durante seu tempo livre. “Em um dos finais de semana, escalamos um vulcão de 4 mil metros. Demorei sete horas para chegar ao topo, mas a vista e a sensação de conquista foram indescritíveis”, relata. Outro ponto alto da viagem foi o encontro inesperado com gorilas. “Durante a escalada, cruzamos com várias famílias de gorilas. Foi uma das experiências mais incríveis da minha vida.”
O futuro e o legado de Ruanda
Agora de volta ao Brasil, Marcella está ansiosa para aplicar os conhecimentos adquiridos em sua carreira e compartilhar as lições aprendidas. “Se eu puder falar de Ruanda para todas as pessoas, sinto que minha missão estará cumprida”, diz, emocionada. “Acho que é importante olhar além do que estamos acostumados, buscar enxergar mais longe. A experiência me fez ver o mundo de forma diferente, e espero que mais pessoas possam ter essa oportunidade.”
A jovem conclui com uma mensagem inspiradora: “Eu encorajo todos a voarem mais alto. O mundo é vasto, e há muito a ser descoberto. Só precisamos dar o primeiro passo.”