No Tribunal do Júri de Mairinque (SP), um caso peculiar de justiça se desenrolou, revelando as complexidades morais e legais que cercam a natureza humana. Em um julgamento onde a emoção e a razão se entrelaçaram de maneira indissociável, um Conselho de Sentença, majoritariamente feminino, absolveu uma mulher acusada de ser a mandante de um homicídio, aceitando a tese defensiva de inexigibilidade de conduta diversa.
A ré, acompanhada de seu filho, vivia sob constante ameaça de morte, oriunda de um homem ligado a uma facção criminosa. A disputa por terras intensificou o perigo, levando a mulher a ordenar o assassinato como uma medida desesperada para proteger a sua vida e a de seu filho. O argumento central da defesa baseou-se na impossibilidade de uma conduta alternativa diante das circunstâncias de terror e ameaça contínua.
No tribunal, os advogados da ré não negaram a participação dela no homicídio. Pelo contrário, admitiram que ela havia mandado matar a vítima. Contudo, a defesa surpreendeu ao solicitar a absolvição, fundamentando seu pedido no artigo 22 do Código Penal, que exclui a culpabilidade quando a ação é imposta por coação irresistível. Os defensores argumentaram que, diante das ameaças de morte, a ré não tinha outra escolha senão agir da maneira que agiu para salvaguardar sua vida e a de seu filho.
O Conselho de Sentença, sensibilizado pela argumentação da defesa e pelas circunstâncias atenuantes apresentadas, decidiu pela absolvição da ré. A juíza Camila Mota Giorgetti, que presidiu o julgamento, acolheu a decisão dos jurados com base no artigo 386, inciso VI, do Código de Processo Penal, que prevê a absolvição quando existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena.
Na mesma sessão, o sobrinho da ré, acusado de ser o executor do crime, também foi absolvido por falta de provas de sua participação. O próprio Ministério Público havia pedido essa absolvição, reconhecendo a ausência de evidências suficientes para condená-lo. Após quase dois anos de prisão preventiva, a ré teve seu alvará de soltura expedido imediatamente após o veredicto, e seu sobrinho foi libertado anteriormente por meio de um Habeas Corpus concedido pelo Superior Tribunal de Justiça.
Este caso ilustra de maneira dramática a complexidade das decisões judiciais onde se confrontam a letra fria da lei e a realidade crua da vida. A decisão do júri de Mairinque reafirma a importância de considerar as circunstâncias humanas e as motivações por trás das ações, reconhecendo que, às vezes, a justiça não se resume apenas em aplicar a lei, mas em entender profundamente a condição humana.
Neste teatro da vida e da morte, onde cada ato pode ser uma questão de sobrevivência, o julgamento em Mairinque destaca a sabedoria de um sistema judicial que, ao menos em algumas ocasiões, consegue enxergar além das ações para perceber as razões que as motivam. Um lembrete pungente de que, no final, a justiça verdadeira deve sempre buscar o equilíbrio entre a letra da lei e o espírito da compaixão.
Álvaro H. Docevalo