Não fossem as sinalizações nos calendários e uma ou outra reportagem a assinalar que 20 de março marcou a chegada do outono, pouca gente teria se dado conta da mudança da estação, pois, mais uma vez, o verão não quis dar trégua e ignorou que era momento de sua despedida.
O verão é assim mesmo, a um só tempo contagiante e abelhudo. O outono, que bem conhece o jeito e os caprichos de quem o antecede, mais tímido e condescendente, aguardou a hora mais oportuna para entrar em cena e estabelecer-se, sem pressa e sem alvoroço, como convém às naturezas mais delicadas.
Paciente e suave como é, esperou quase três semanas até poder, livremente, soprar sua brisa ora com mais força, ora com mais languidez e divertir-se a despentear cabelos, entrar por janelas e portas e espalhar papéis, sacudir as árvores para livrá-las das flores que restaram da primavera e do verão e despojá-las das suas folhas, convencer as pessoas a resgatarem algumas roupas mais quentinhas do fundo dos armários e gavetas, trocarem os sorvetes e sucos pelos chocolates quentes e tantas outras pequenas grandes coisas hábeis a, delicadamente, anunciar que logo chegará o tempo do frio.
Assim o outono, mais uma vez, pareceu-me não ter pressa para chegar e mostrar-se. Ser afoito, definitivamente, não faz parte do seu espetáculo de cores e sopros.
É verdade que neste mundo em que tudo parece um tanto confuso e fora do seu devido lugar, não é de se causar espanto que a chegada do outono tenha, outra vez, sido abafada pelo calor característico do verão.
Tenho para mim que, se o outono tivesse profissão, seria tapeceiro, tamanhos são o talento, o capricho e a paciência com que tece tapetes de cores e tramas as mais diversas nos parques, praças e calçadas, sob as árvores, assoprando aqui, acolá e ali até colocar folhas e flores a formar mosaicos ou desenhos abstratos que sensibilizam aqueles que têm os passos suavizados ao percorrê-los e os olhos encantados aos contemplá-los.
Mas, se o chão outonal tapizado de folhas e flores enternece, olhar para cima parece não ter o mesmo efeito sedutor, afinal, quem se interessa por ver nada além de um sombrio e tristonho emaranhado de galhos secos?
Olhar para as árvores despidas de folhas, flores e frutos é muito mais do que ter diante dos olhos uma triste aparência de sequidão. Por entre os galhos secos há um amplo campo de visão ainda maior para se contemplar o céu.
Nestes primeiros dias do outono, as árvores apenas estão com suas folhas amarelecendo, como mostram os plátanos que ladeiam o ribeirão Aracaí, na área central da cidade, e ainda não há solos atapetados ou galhos despidos por completo.
Pouco a pouco, porém, quem tiver olhos de ver notará, sob seus pés, os tapetes sendo tecidos e, sobre suas cabeças, o azul descortinar-se entre as frestas dos galhos e suas folhas.
E quanto há no céu para surpreender os olhos do corpo e da alma!
Na suavidade do outono, tão propícia à reflexão, vale a pena imaginar-se árvore e deixar que sejam levadas as folhas mortas e as flores murchas que ainda insistentemente se prendem aos pensamentos e sentimentos de cada um.
Enquanto coladas no corpo e na alma, essas folhas e flores representam a falta de viço, de ânimo, de paz e de alegria que comprometem, muitas vezes de modo irremediável, o bem viver. Entretanto, se lançadas ao longe pelos ventos do outono tapeceiro, poderão ser transformadas em tapetes e postas sob os pés, para nunca mais se reerguerem e sugarem a preciosa seiva da vida.
Que assim seja!
Simone Judica é advogada, jornalista e colunista de O Democrata (simonejudica@gmail.com.br).
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