São Roque deveria fazer consulta popular sobre diferentes temas | O Democrata

Nas sociedades modernas, a eleição de representantes para parlamentos e governos é momento fundamental para a concretização da democracia. A efetivação desta não se resume, entretanto, ao pleito, que no caso do Brasil se dá a cada dois anos. Fiscalizar a atuação de vereadores, deputados e senadores e a execução das políticas públicas por parte de prefeitos, governadores e presidente são direitos e, principalmente, deveres dos todos as cidadãs e cidadãos, caso desejem que a soberania popular se efetive na prática.

Na atual crise das democracias nota-se uma descrença ou mesmo repulsa às representações governamentais. Sem condições objetivas para acompanhar o dia a dia da política municipal, estadual ou nacional, o pouco que a população brasileira vê no Congresso Nacional, Assembleias e Câmaras não lhe agrada, crescendo o desânimo com o futuro do país e a possibilidade de acabar com as desigualdades sociais. As taxas de abstenção nas eleições aumentam ano após ano. Parcela grande da sociedade brasileira deixou de enxergar a política como instrumento para melhorar a vida da coletividade.

Reclamação comum é que muitos políticos são “lobo em pele de cordeiro”, e logo após a vitória no pleito deixam de defender as propostas divulgadas. Dizem que irão preservar a natura da cidade, mas com a justificativa de movimentar a economia local e gerar empregos – especialmente para os jovens -, devastam áreas para desenvolver a região; falam que irão melhorar a saúde e a educação, porém não destinam 1 centavo a mais para essas áreas, alegando que o problema é de gestão – ao mesmo tempo, brigam para indicar afilhados políticos sem formação e experiência para cargos nessas pastas. No entanto, quando precisam tomar deliberações que não têm apoio popular, alegam que receberam aval para decidir em nome do povo. Aumenta-se, assim, o abismo e conflitos entre representantes e representados.

Praticamente todas as constituições mundo afora evocam o fundamento de que o poder emana do povo. A nossa última Carta Magna, denominada cidadã, afirma que “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. E que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto.

A mesma Constituição de 1988 estabeleceu instrumentos, além da escolha dos representantes políticos, para garantir a soberania popular, mediante: a) plebiscito; b) referendo e c) iniciativa popular. Em 2021, no contexto das discussões sobre a atualização das regras eleitorais, ocorreu modificação que embasa decisões locais a partir da consulta direta ao povo. Na Emenda Constitucional n. 111, acrescentou-se o dispositivo: “Serão realizadas concomitantemente às eleições municipais as consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas Câmaras Municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral até 90 (noventa) dias antes da data das eleições, observados os limites operacionais relativos ao número de quesitos”.

Plebiscito acontece antes da criação de uma lei e, assim, permite que os eleitores opinem sobre uma proposta previamente a sua implantação. Já o referendo ocorre após a aprovação de uma lei pelo Poder Legislativo. Por meio dele, o eleitorado local confirma ou rejeita a decisão.

Essa prática de consulta direta ao povo já é comum em algumas regiões do mundo, com destaque para a Suíça, inspirada nas ideias de Jean Jacques Rousseau. Em praticamente todo pleito para a escolha de representantes políticos daquele país, eleitores decidem sobre assuntos candentes à população.

Nos Estados Unidos, um país federalista, registra-se, em alguns Estados, a realização sistemática de consulta popular. A Califórnia, aliada à tecnológica, além de ouvir a população nos momentos das eleições regulares, adota formas de consulta via plataforma informatizada. 

No Brasil, o governo federal promoveu um plebiscito em 1993 para a população decidir entre monarquia e república como forma de governo; e presidencialismo e parlamentarismo como como sistema de governo. Em 2005 ocorreu o referendo sobre o Estatuto do Desarmamento.

Sobre os temas apreciados pelo plebiscito ou referendo, a nova normativa brasileira não apresenta restrições. A única limitação relaciona-se à necessidade de serem matérias de natureza local. Ou seja, os temas precisam apenas estar inseridos no âmbito das competências municipais e distritais.

Recentemente, a cidade de São Roque figurou em diferentes jornais de circulação nacional sobre a desastrosa tentativa por parte do poder executiva, com aval do Câmara de Vereadores, de aprovar um polêmico Plano Diretor que, visivelmente, contradizia com o que foi propagado pelos então candidatos na eleição de 2020. O nítido descumprimento da lei e o caráter antidemocrático levaram a justiça a paralisar a tramitação do Plano Diretor. Argumentos diversos foram acionados pelos proponentes, porém, todos recusados.

Cinco municípios brasileiros – do Sul, Nordeste e Norte do país -, recorrerão, nesta eleição, à consulta popular como forma de dar voz à população sobre assuntos diversos: adoção de passe livre para os estudantes, novo centro administrativo municipal, mudança de bandeira e nome de cidade. A prefeitura e Câmara de Vereadores de São Roque perderam, mais uma vez, oportunidade única para aprimorar os instrumentos democráticos de participação e ouvir, realmente, a população sobre diversos temas, principalmente o Plano Diretor. Será que as cidadãs e cidadãos de São Roque concordam com o Plano Diretor apresentado? Após a eleição deste ano, a prefeitura certamente apresentará um novo ou o mesmo projeto de Plano Diretor. Este poderia alicerçar-se numa consulta popular. Na prática de dar a voz a população são-roquense. E não na justificativa autoritária que a população elegeu seus representantes para esses tomarem qualquer tipo de decisão. A democracia precisa ser praticada e defendida todos os dias.   

Rogério de Souza, doutor em Sociologia e professor no IFSP.

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