
Minhas amigas,
Na última coluna, conversamos um pouquinho sobre barulho; hoje, eu sugeriria o silêncio.
Não é por termos falado sobre o incômodo do barulho, mas o que me faz pensar sobre o silêncio hoje é no quanto ele expressa. E com que delicadeza e elegância ele expressa o que não podemos dizer, mesmo que queiramos.
Para aquelas que acompanham a Fórmula 1, é expressivo o silêncio de Hamilton desde a última corrida, quando perdeu o campeonato para seu maior adversário: um homem que, literalmente, passou por cima de sua cabeça com um carro de Fórmula 1 e não olhou para trás.
Não é que seus motivos sejam desarrazoados, é que faltam palavras – elas não são suficientes para expressar suas emoções. Então o silêncio fala.
Com delicadeza e elegância, é este silêncio que expressa o absurdo, a falta de espírito esportivo, a mesquinhez, o preconceito, a rixa antiesportiva, a inveja, os interesses que não devem ser revelados. Hamilton não grita porque, caso contrário, seu grito seria corrompido por tudo o que seu silêncio agora expressa.
De certa maneira, é o privilégio que sua genialidade proporciona.
O silêncio é privilégio do Poder: do gênio, do dinheiro, da força – física ou econômica.
Este privilégio me desafia quando reflito sobre os dados estatísticos que envolvem a infância de meninas, a maturidade de mulheres e a solidão daquelas que envelheceram. Mulheres abusadas, mortas, doentes, sozinhas. Somos julgadas a partir de critérios silenciosos, que elegantemente nos negam acesso, permanência e influência em decisões importantes.
Silêncios nos cercam para que não se incomode nosso entorno. E nem percebemos.
Somos falantes quando dizemos sim, quando concordamos.
E quando temos de dizer não? Não redondo, claro, altivo?
Quando temos uma opinião divergente da maioria? Quando questionamos os tabus pesadíssimos da vida feminina: maternidade, a exaustão pelo trabalho doméstico, bebida, uso de remédios, o quanto somos desvalorizadas como cuidadoras, nossos enfrentamentos com maridos, filhos, pais, chefes – sobre o que é inconveniente para outros, mas fundamental para nós… qual postura que assumimos?
Falamos com clareza? Ou procuramos não “provocar”?
E assim o silêncio nos abate. E nos nega lugar legítimo para falar e sermos ouvidas.
Como mães, exigimos de nossos filhos a compreensão de nossas dificuldades dentro de casa, no trabalho? Oferecemos às nossas filhas a liberdade para falar alto, brigar? Permitimos que elas falem exatamente o que pensam? Falem duro? Tenham vida sexual?
Não é bobagem dizer que meninos usam rosa e meninas azul, se assim quiserem.
O silêncio só favorece a quem exerce o poder de dizer não.
Algumas de nós pagam com a saúde, a vida, a integridade física preço altíssimo por dizer não; outras, muitas outras por existir.
Quando, minhas amigas, poderemos dizer apenas não?
Não. Só o não.”
Por Julie Kohlmann – Advogada, Doutoranda em Filosofia do Direito, Mestre em Direito Civil, Especialista em Direito Penal e Associada ao IBDFAM – @juliekohlmannadvogada