Trocar figurinhas | O Democrata

O desafio de completar um álbum de figurinhas, que num passado bastante próximo era missão árdua e, por que não, quase impossível, para adultos e crianças, tomando-lhes tempo, dinheiro e sossego, virou moleza, ao menos quando o tema da coleção é a Copa do Mundo.

O álbum oficial da Copa do Mundo de 2018 foi lançado em 15 de março deste ano e, poucos dias depois, inúmeras pessoas já ostentavam a coleção completa!

Essa facilidade para preencher o álbum começou à época da Copa do Mundo de 2014, quando algumas distribuidoras de figurinhas passaram a incentivar os proprietários das bancas a promover a troca dos cromos entre seus fregueses. A prática agradou a freguesia e tornou-se uma febre da qual poucos colecionadores saíram incólumes.

São Roque rendeu-se à ideia de trocar publicamente as figurinhas em 2014, quando uma multidão de crianças e adultos fez do “Jardim” um ponto de busca dos adesivos. E, pelo visto, a moda voltou com tudo em 2018, como comprovam as grandes aglomerações no entorno das bancas de jornais e revistas da Praça da República, do Largo dos Mendes e da Av. João Pessoa, principalmente nas manhãs de sábados e domingos.

O álbum da Copa da Rússia retrata em 682 figurinhas as 32 seleções em disputa pelo cobiçado título esportivo mundial. Porém esse número, que a princípio soa elevado e quase intransponível, torna-se pequeno ante as facilidades de troca que a moda e a modernidade proporcionam. A paciência e as disponibilidades de tempo e dinheiro, requisitos indispensáveis aos colecionadores de outros tempos, deram lugar a agilidade e economia!

Além das trocas nas praças e calçadões, os colecionadores fazem  arranjos a respeito da negociação das figurinhas pelas redes sociais e por aplicativos de telefone celular, como WhatsApp.

E, se nos velhos tempos, cada página era preenchida com muito sacrifício e, por isso, a conquista era saboreada com intensidade, hoje parece que completar um álbum reveste-se do mesmo imediatismo e da mesma impaciência que norteiam a vida dos habitantes do século XXI.

Arrisquei-me a perguntar, para algumas crianças que vi por aí com figurinhas nas mãos, se sabem jogar “bafo” e conhecem cola de farinha de trigo. Todas elas, sem exceção, olharam-me com ares de interrogação e surpresa. Para algumas, tentei explicar que “bafo” é uma brincadeira em que os jogadores tentam, com golpes de mão, virar as figuras dispostas em um montinho e, ao conseguir, ficam com elas, e que, quando não existiam adesivos ou faltava dinheiro para comprar cola industrializada, fazia-se uma mistura caseira para grudar os cromos nos álbuns. Todos os meninos com que conversei acharam isso difícil e sem sentido.

A troca é, seguramente, o método mais prático e eficiente para livrar-se das irritantes figurinhas repetidas e finalizar o álbum o quanto antes.

Benedito Pereira Borges, ou melhor, “Dito Canela”, é colecionador das figurinhas do campeonato mundial de futebol desde 1966 e, aos 61 anos de idade, já completou álbuns de treze copas, inclusive de 2018. Frequentador assíduo das rodas de trocas, garante que o Brasil vai ser campeão em 2018.

“Já completei meu álbum e agora estou ajudando os amigos. Amo estar com a molecada e por isso todo final de semana estou circulando no meio dos colecionadores. Antigamente era muito difícil encher um álbum, mas hoje ficou fácil com essa praticidade de comunicação e troca”, arremata Dito Canela, leitor assíduo da coluna São-roquices.

Trocando figurinhas com Dito Canela, estava o garoto Jonas Caldeira Barbosa, de 10 anos e mais pessimista quanto ao desempenho do Brasil na Copa. “Essa é a minha segunda Copa. No começo meu pai e minha mãe compravam figurinhas para mim, mas logo soubemos da troca e todo final de semana eles me trazem aqui. É bem legal e já conheci bastante gente que também gosta de colecionar”.

Futebol também é coisa de mulher, como prova D. Alzira, de 68 anos, que também não põe fé na seleção brasileira. “Desde criança gosto de colecionar figurinhas e quando anunciaram o álbum da Copa corri comprar o meu. Quando descobri que o pessoal troca nas praças, comecei a trazer minhas repetidas e sempre volto para casa com um saldo positivo de figurinhas e de alegria e entusiasmo, que a criançada me transmite. Estou animada para logo completar minha coleção”.

O interesse comum na conclusão do álbum torna espontânea, bem-vinda, bem humorada e inusitada a aproximação entre colecionadores das mais variadas gerações e, assim, pessoas que em outras oportunidades dificilmente se encontrariam, juntas desfrutam de momentos enriquecedores e, mais do que trocar figurinhas, trocam valiosas experiências de vida.

Simone Judica é advogada, jornalista e colunista de O Democrata (simonejudica@gmail.com)

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