
Minha amiga,
não sei se já deixei claro por aqui o confuso amor por este meu país. Confuso porque: sou brasileira, vista como branca (sou exceção populacional); além disto, estou no topo da pirâmide socio-econômico-cultural. Formação universitária, vinda de unidade familiar “estável” e financeiramente confortável. Isso me garante o básico, com folga: comida e saúde, neste país faminto e doente.
Respeito meu trabalho e ganho para isso, meu marido também trabalha, mas não me engano, se fiz boas escolhas foi porque nasci com a oportunidade de fazê-las e por isto não me desculpo, mas e quem não é de minha família? Fica como?
Então, sentada confortavelmente em frente à xicara de café expresso recém-tirado, coisa que muita gente não vai experimentar nesta vida, leio que Musk, “dono” do Twitter, passou por aqui.
Até ai, minha amiga, não posso impedir, nem quero.
Mas a indignação tomou o lugar da minha culpa.
Cristina Serra, colunista da Folha, no sábado dia 21/05, relata um dos muitos motivos de Musk ser controverso. Ele foi acusado de interferir no golpe boliviano de 2019 – justamente no Twitter – a resposta dele? “Nós daremos golpe em quem quisermos. Lide com isso”.
Deste jeito. Chegou chegando.
O meu problema com este senhor (noblesse oblige, né, minha amiga) não é a Bolivia, não é o Twitter, muito menos o dinheiro dele.
É o desplante, o desserviço que ele presta ao ter em mãos um dos mais capilarizados meios de comunicação – além do poder (não fiscalizado) que ele tem. Não à toa, Musk literalmente nada em dinheiro. E quem aproveita? A família dele e o país dele.
E meu país tão sofrido, mestiço, confuso? Pobre, desigual; desconhecido por nós, topo da pirâmide?
Quem trabalha em comunicação sabe: quer ter “engajamento”, ganhar seguidores e por isso ser pago? A fórmula mágica é o discurso mais raivoso, mais irracional, mais odioso. Isto é fato, minha amiga. Funciona sempre: televisão, rede social, eleições.
Então pergunto: diante de tanto problema e violência, quem precisa de Musk botando fogo na nossa fogueira, minha amiga?
Este meu amor-Brasil me confunde.
Não quanto à sua existência, mas pela culpa de amá-lo tanto e tão pouco fazer por ele. Amo cultura que é muito pouco minha, fico embevecida com beleza que não tem meus traços. No entanto, esta cultura, esta beleza me oferecem o melhor.
Então, no final das minhas contas, ficam o privilégio – mesmo não pedido, mas concedido – e a culpa, que me obrigam a dizer: Musk, go home and stay home, please. Thank you.
Julie Kohlmann é Doutoranda em Filosofia do Direito, Mestre em Direito Civil, Especialista em Direito Penal e Associada ao IBDFAM – @juliekohlmannadvogada