7 de setembro e a farsa na expressão “Mais Brasil, menos Brasília” – O Democrata

Um dos slogans da campanha de Jair Bolsonaro no pleito de 2018, “mais Brasil, menos Brasília”, atacava a centralização de poder político no governo federal e, por conseguinte, o econômico. Na ocasião, defendia-se transferir as diferentes decisões aos estados e municípios. Transcorrida a quase totalidade de seu mandato, percebe-se, no entanto, constância de práticas desenvolvidas há décadas. Quase 60% das arrecadações via imposto restringem-se às idiossincrasias e deliberações de Brasília. O desfecho desse pacto federativo capenga é conhecido: negociatas palacianas. Gestores públicos e afiliados políticos apelando a ministérios e parlamentares para encaminhar verbas diversas e emendas para custear o trivial: contas de água, luz, contrato de limpeza e segurança, asfaltamento e projetos emergenciais.

Não bastasse essa orquestrada disfunção burocrática, o governo Bolsonaro institucionalizou a usurpação dos recursos da população brasileira entregando-os às vontades e aos interesses dos parlamentares amigos via orçamento secreto. Neste ano, 16 bilhões de reais furtivamente alocados – sem edital, projetos e nenhuma outra forma de transparência. No primeiro semestre assistimos, estarrecidos, filas nos corredores do Congresso Nacional para adentrar na salinha dos acertos comandada pelo presidente da Câmara dos Deputados. Mais Brasil, menos Brasília?

Nos últimos meses pipocaram denúncias de malversação dessas verbas originárias das bilionárias emendas do relator do orçamento. Kits de robóticas para escolas que não possuem água encanada, salas de aulas, computadores e internet. Falsificação nos números de atendimento do SUS para justificar o recebimento de emendas, como a extração de mais de 18 dentes de todos, isso mesmo, de todos os moradores de uma cidade do Maranhão; ou a realização, num pequeno município, de testes de HIV igual ou maior aos dados da cidade de São Paulo. Tirania orçamentária em troca de apoio do Centrão.

É recorrente no atual governo intervenção em autarquias que desagradam práticas, muitas ilícitas, do clã bolsonarista e corriola. Destituição de conselhos e demissões nas direções do INCRA, INPE e Polícia Federal tornaram-se medidas ordinárias. Parece que o intuito é único: livrar “os seus”, mesmo que para isso precise desrespeitar e impor as prerrogativas de vice-rei da presidência da república. Mais Brasília, menos Brasil!

Não obstante, recorrer às prerrogativas do poder executivo para livrar de investigação e punição o próprio pescoço e a turma do cercadinho estendeu-se ao 7 de setembro. Assistiu-se um sequestro das comemorações e reflexões sobre o bicentenário da Independência do Brasil. No lugar de refletir sobre o processo em si da Independência, as figuras envolvidas, as lideranças alijadas, os grupos excluídos da conquista, as reparações necessárias, os regressos e avanços dos últimos 200 anos, Bolsonaro optou por fazer marketing político, explorando fantasiosas conquistas do seu governo e atacando adversários do pleito atual. Desvio de função, quebra da liturgia do cargo, transmutação do ato cívico em palanque eleitoral, etc. Pode-se classificar de diferentes maneiras as atitudes do presidente. Algo que salta aos olhos é o vício de origem: personalismo e a tentativa de assenhorar-se de símbolos nacionais, comportamento típico daqueles que dialogam com o autoritarismo de matriz fascista.

Farsa mal ensaiada, na gestão Bolsonaro registra-se sucessivos assaltos aos instrumentos governamentais a fim de aumentar o poder presidencial, inclusive com intervenções diretas em diferentes órgãos públicos, e a reafirmação da dependência dos estados e municípios às verbas distribuídas de maneira não republicana. O embaralhamento proposital entre as comemorações do bicentenário de Independência e sua campanha política revela, mais uma vez, desprezo pela história do país, diversidades e pacto federativo. A exigência para se transferir as festividades do Rio de Janeiro para a orla de Copacabana, tradicional reduto das manifestações de grupos conservadores, reitera o desejo autoritário e centralizador. No limite, infere-se que, nesses três anos e meio, reafirmou-se o oposto da expressão “Mais Brasil, menos Brasília”. A expressão mais adequada seria: “Mais Brasília para o meu clã e meus comparsas, menos Brasil para o povo”.

Rogério de Souza, doutor em Sociologia e professor no IFSP

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