Anatomia de um Escândalo – O Democrata

Passeando pelas opções do streaming, encontrei a série que dá nome à coluna e que já tinha visto há um tempinho.

Como minha memória para essas coisas não é prodigiosa, decidi rever porque me lembrava que seu tema circulava em torno de consentimento, poder e julgamento – para mim, um prato cheio.
Aviso às navegantes: não vou dar spoiler.

Só umas palavrinhas: homem poderosíssimo do Parlamento inglês, casado – típica família inglesa branca, é acusado por uma integrante de seu gabinete de estupro. Na série, acompanhamos de perto as mulheres que se veem envolvidas pelo crime: a própria vítima, a esposa e, o melhor, a “promotora”.

A vítima, mulher bem mais nova do que o poderoso, mantém com ele caso – arrebatador – até o dia em que é surpreendida pelo término.

Muito bem. O estupro acontece depois.

Vai piorar: ela consente no início, mas no desenrolar dos “fatos” desiste.

E, então, ela pode desistir> Existe esta possibilidade?

Mas, peraí, muitas dizem: ela concordou! E depois, sem motivo, desiste> Coitado do poderosão … Como pode isso? Pode?

E eu pergunto, por que não pode?
Por que a mulher se vê vinculada, desta maneira, a um processo que se desenvolve no tempo e que pode tomar contornos que ela não quer> Vamos levantar algumas hipóteses … e se o parceiro tomar atitudes que não agradam? E se o parceiro não tiver tomado banho no dia? E se o parceiro simplesmente não atende a seus pedidos? E se no meio do processo, a parceira lembra que está com a roupa no varal, vai chover, e não quer ter de relavar a roupa?

E se ela simplesmente disser que não quiser mais?

Vai ter de se submeter à vontade do outro? Por quê?

Essas coisas acontecem – em todo lugar, a qualquer tempo e fazem parte do jogo.

É frustrante? É.

Aqui cabe uma pergunta: qual pessoa adulta não se frustrou porque não conseguiu o que quis? E, porque está frustrado, agride, ameaça, faz biquinho e bate pezinho por ai? Não dá.

Então, lembrar o básico é fundamental: neste assunto, ninguém é obrigado a fazer o que não quer. Nem um, nem outro. Para que seja bom, elegância, atenção às escolhas, respeito, boa escuta e uma generosa pitada de leveza fazem toda diferença, mesmo que, no meio ou no final do caminho, o consentimento seja retirado.

Não somos obrigadas a aceitar a vontade do outro sobre a nossa, minhas amigas.

Ninguém pode nos obrigar, só a Lei – e mesmo ela só vale quando obedece às regras do jogo jurídico.
Sigamos, minhas amigas, temos muitas vontades a realizar!

Julie Kohlmann é Doutoranda em Filosofia do Direito, Mestre em Direito Civil, Especialista em Direito Penal e Associada ao IBDFAM – @juliekohlmannadvogada

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