Não sei, minhas amigas, quem daqui teve a oportunidade de me conhecer pessoalmente. Tenho duas, três cores durante o ano: alto verão, sou tão morena quanto qualquer frango assado esturricado de padaria: bem chamuscada.
Saindo do verão, vou perdendo minhas escamas e a cor vai junto – aos poucos: fica uma coisa meio lá, meio cá: melasmas atacados sobre um “tom de burro quando foge”; já no “alto inverno”, nos dias do azul mais bonito que o céu pode copiar do manto de Yemanjá…. nem melasma mais eu tenho. Tudo desbotado, um amarelo fraquinho, triste, me colore.
Este espírito camaleônico de minha pele me permite entender o que é ser “racializada” – por causa dele, já senti o que é ser latina para americanos, brasileira para europeus e branca para brasileiros – e por aquilo que experimentei, não se enganem, agradeço por ser vista como branca! Tá certo, que não é
beeemmm branca, mas é quase tão bom quanto, porque “japonês é tão limpinho”! Japonesa, então, imagina!!!
Ainda bem que, por agora, minha versão amarela goza de prestígio aqui. Sim, porque, durante a
Primeira República, não era beeeeemmmm assim. Asiáticos e africanos não eram tão bem-vindos. O pessoal queria mesmo era branco. Histórias do Brasil que procurava emigrantes pelo mundo afora….
Isto tudo, minhas amigas, é cansativo, sabe. Que coisa… por que temos de colorir a pele sempre para
o pior?
Sim, porque é horrível ouvir que o japonês é limpinho. Esperavam o quê, que minha mãe, minha avó, não tomassem banho? Por isso o espanto, né? Pegamos todo mundo!!! Esses espantos disfarçados por “elogio” são reveladores…
Penso em minha amiga de pele negra. Sem comparação. Se o “elogio” para a minha japonesada esconde um espanto bem esquisito, já para minha amiga de pele negra vai na cara mesmo. Sem dó nem piedade.
Para mim, chegaram a dizer que japonesas não tem cheiro!!! Desculpe em decepcionar, mas ponha a pessoa para trabalhar duro, sob sol escaldante, durante horas, sem chuveiro e aí a verdade se revela: o ser humano tem cheiro. Até a japonesa! É, minhas amigas, japonesa também tem cheiro… Desculpe.
Então se a questão é a cor, que tal colorir todo mundo com um verdinho marciano básico: nem bandeira, muito menos folha? Que tal? Mas sigamos juntas, verdinhas ou não. Sempre.
Ah! Tem um livro sobre isso: “O pacto da branquitude”, da Cida Bento. Vale a pena ler, para quem topar o
desafio de se ver colorido e sentir como isso é complicado!
Julie Kohlmann é Doutoranda em Filosofia do Direito, Mestre em Direito Civil, Especialista em Direito Penal e Associada ao IBDFAM – @juliekohlmannadvogada