Hoje bateu
Uma saudade
Minha avó
Se eu tiver
Que lembrar
O dia exato
Que ela nasceu
O dia exato
Em que
Ela morreu
Vou ter que
Perguntar
Pra alguém
Confesso
Só lembro
De outras coisas
De todo o resto
Quando eu ainda
Era adolescente
Um dia eu estava
Deprimido
No sofá
Da casa dela
Sem perspectiva
Depois do almoço
Ela passou
Como quem vinha
Arrastando a sandália
Do quintal
“Se a gente tiver
Que dar conta de tudo
A gente fica maluco”
Do nada
Me confortou
Nena
Seu ensino era
Primário
Sua sabedoria
Fundamental
Não estava em
Nenhuma faculdade
A não ser
Espiritual
A primeira vez
Que ela pisou
Em um banco
Com mais de
Oitenta anos
Eu fui junto
Ela e eu
Foi um dia de
Uma violência
Tremenda
Ela tinha medo
Da porta giratória
Do que ela iria
Ter que dizer
Para provar que
Estava viva
Que merecia
Continuar a receber
A aposentadoria
Entrou muda
Saiu calada
A atendente
Também ignorou
Sua existência
Falou apenas
Comigo
Desconfiando ainda
Que eu estava lá
Pra pegar o pouco
Que ela tinha
Saudades
Da Dona Nena
Da sua
Simplicidade
Erudita
Me ensinou tanto
Tantas vezes
Sem dizer
Uma palavra
Com sua postura
Em relação ao mundo
Tinha uma tristeza
De viver
Que dava gosto
De quem sabia
Algo a mais
Sobre a tragédia
Humana
Usava
As roupas
De sempre
Nena
Sempre sentirei
Sua ausência
Por mais que
Necessária
Quando morreu
Estava bem velhinha
Acamada
Eu pensava
Pra quê
Continuar
Vivendo assim
Deve ter coisa
Melhor depois
Da morte
Agora
Não sabia
Nem sei
De nada
Dos tempos
Que a passagem
Pede
Só sei que
O mundo ficou
Mais triste
Sem sua
Tristeza
Seu olhar
Seu riso
Sua comida
Quando morei
Por um tempo
Na casa dela
Construindo a minha
Ela elogiava
Meu miojo
Perguntava
Onde tinha
Pra vender
Nena foi
Uma mulher
Sofrida
A avó
Mais querida
Que eu podia
Ter

#donanena #poema #mar_rio
#poetadanaturezadesi